Me arrisco a dizer que a maioria
das salas de professores no Brasil sempre se dividiu de maneira clara e não
equânime em dois grupos distintos de profissionais: os tristes e os utópicos.
De tempos em tempos a quantidade de integrantes em cada um desses grupos se alterna
significativamente, num processo às vezes lento, outras vezes, nem tanto.
Os tristes eram aqueles que, a
despeito da idade, já tinham se deixado abater por algumas dificuldades
inerentes à docência: a relativamente comum falta de interesse de alguns
alunos, a constante correria entre uma escola e outra, a exaustão gerada por um
trabalho que não se deixa para trás e que nunca termina... Negligenciados,
todos esses fatores levam de fato qualquer um à fadiga; associados a salários
injustos (quando não humilhantes), esses mesmos fatores com facilidade conduzem
o profissional a um estado bastante compreensível de tristeza constante e até
de certo rancor.
Como espécie de antídoto à
melancolia dos tristes, sempre houve os utópicos. Esses eram aqueles que tendiam
a ver um lado bom para tudo, a entender tudo como justa paga a quem escolheu
exercer o “sacerdócio” da docência. Para esses colegas, o relativo desinteresse
de parte dos alunos sempre foi normal, a correria entre uma escola e outra
também era normal – e até divertida –, trabalhar sete dias por semana também sempre
foi coisa normal, natural da vida de professor. Para eles, o prazer de ensinar
e de colecionar histórias de sucesso de ex-alunos era recompensa mais que
suficiente frente a qualquer sacrifício.
Com pequenas variações, um pouco
mais pra cá ou pra lá, quem conhece sala de professores sabe que, no geral, era
assim que seus habitantes costumavam se dividir, grosso modo. Pois é:
costumavam.
Tenho observado que nos últimos
tempos os dois grupos vêm se confundindo, até se misturando. É como se quem
antes fosse triste estivesse agora enxergando esperanças, quem antes era
utópico agora parece estar se afogando em frustração e mágoa. A virada da maré na
sala de professores parece estar absurdamente veloz desta vez! É quase uma
pororoca!
Entre os novos utópicos tenho
descoberto colegas agora sorridentes, como aguardando ansiosamente a breve
chegada do tempo em que todos os alunos pertencerão a um único grupo: o dos “mudos-acríticos-interessados”.
Não haverá mais atrasos, nem interrupções, nem piadas inconvenientes (sobretudo
durante o momento sagrado da “explicação da matéria”), as lições de casa serão
sempre feitas com esmero. Todos os discentes abraçarão a nova ordem de maneira
consciente e aqueles que por ventura se demorem ou se neguem a compreender a
nova escola (a “de antigamente” afinal de volta) não merecerão estar nela:
serão expulsos, jubilados, contados entre os índices de problemas enfim
resolvidos, ao lado da malfadada “ideologia de gênero” e do tal “raciocínio
crítico”, que nunca serviu pra nada, naquela que parece ser a opinião convicta
de muitos novos utópicos.
Entre os recém-tristes, encontro colegas
agora cabisbaixos, que não veem mais sentido em sua história docente, nem em sua
prática pedagógica cotidiana, nem em seu futuro profissional na Educação. Vários
deles, assustados, reúnem documentos e contam anos, meses, dias para a
aposentadoria – que ninguém sabe como nem se virá. E muitos, muitos desses
colegas têm chorado diante de todo passado que veem pela frente, da tentativa
de uniformização dos comportamentos, de negação das diferenças, de busca pela
docilização dos corpos na sala de aula: músculos faciais contraídos, bocas
fechadas, olhares fixos (embora, quase sempre, nessas condições, as mentes estejam
dispersas).
Tristeza e utopia continuam
coabitando as salas de professores Brasil afora, mas com novas roupagens,
acredito. Os novos tristes estão mergulhando no poço sem fundo de um mea culpa talvez legítimo, mas decerto improdutivo
a esta altura. Os recém-utópicos deliram num tipo de saudosismo promissor, um
sebastianismo sem Sebastião – que, neste caso, nunca existiu, porque é a inquietação
que é pré-requisito para toda aprendizagem, não a docilidade.
Como sempre foi, tristes e
utópicos convivem na Educação brasileira em erro, ainda, de novo. Os dois
grupos parecem se negar a entender Albert Einstein: “uma mente aberta para uma
nova ideia nunca mais volta ao tamanho original”. Crer nisso é motivo para
muita alegria e muita esperança.
Precisamos entender de verdade, para
ontem!, uma das lições mais famosas de Aristóteles: “a virtude está no
equilíbrio”. Só o equilíbrio nos fará um dia compreendermos, todos, que não há
tristeza maior do que o desejo utópico de voltar à sombra, nem há utopia melhor
que educar para vencer de uma vez por todas toda a tristeza.
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