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Mostrando postagens de 2018

Tristes & utópicos

Me arrisco a dizer que a maioria das salas de professores no Brasil sempre se dividiu de maneira clara e não equânime em dois grupos distintos de profissionais: os tristes e os utópicos. De tempos em tempos a quantidade de integrantes em cada um desses grupos se alterna significativamente, num processo às vezes lento, outras vezes, nem tanto. Os tristes eram aqueles que, a despeito da idade, já tinham se deixado abater por algumas dificuldades inerentes à docência: a relativamente comum falta de interesse de alguns alunos, a constante correria entre uma escola e outra, a exaustão gerada por um trabalho que não se deixa para trás e que nunca termina... Negligenciados, todos esses fatores levam de fato qualquer um à fadiga; associados a salários injustos (quando não humilhantes), esses mesmos fatores com facilidade conduzem o profissional a um estado bastante compreensível de tristeza constante e até de certo rancor. Como espécie de antídoto à melancolia dos tristes, sempre

Era uma vez (ou Um conto de fodas)

Era uma vez uma senhora de idade incerta e duvidosa chamada Democracia. Uns diziam que ela era muito velha; ela, por sua vez, sempre que perguntada sorria ambígua e afirmava ainda nem ter nascido de verdade. Certo é que a Democracia já tinha tido vários casos: Tribos, Impérios... e Repúblicas também, sem problemas com o gênero de sua eventual companhia.                 Não tinha se casado com ninguém, não tinha filhos. Cansada de se entregar e ser traída, ela havia resolvido viver de momentos. Carpe diem, dizia.                 Mas – como acontece com todo mundo – um dia a Democracia se apaixonou de verdade. Achou que daquela vez seria pra sempre. Era um garotão espadaúdo de nome Mercado. Falastrão, ele repetia a toda hora que era “liberal” e esse era seu maior “mérito”.                 Chegou de mansinho, acenou, flertou, mandou flores (artificiais), chamou pra jantar, dançar, e, quando a Democracia deu por si, eles já andavam de braços dados, como se fossem amantes desde sempre. D

Caridade e violência

           Em meio a assaltos, arrastões, balas perdidas, tiroteios, sequestros-relâmpago, tráfico de drogas e crimes de colarinho branco por toda parte, é bastante difícil compreender e praticar a caridade – ampla e irrestrita, como a maioria das religiões prega, aquela sem a qual espíritas e umbandistas acreditam que “não há salvação”. Ainda assim, ou justamente por isso, é importantíssimo pensar sobre o assunto de maneira lúcida, cuidadosa. Essa é a condição para fugir da simplificação tola, da incoerência e, no limite, da pura reprodução do mal. Vivemos tempos muito difíceis, é certo. Entretanto, é engano pensar que “nunca vivemos tempos tão difíceis”, porque “antigamente a violência não era tanta”, hoje “já não se tem mais respeito por nada” e “os valores estão perdidos”... Nada disso é verdade. Quem diz isso olha só para o presente e se esquece, por exemplo, de que, no Brasil, há pouco mais de 130 anos, era legal e comum açoitar pessoas escravizadas; há 60 ou 50 anos ta

Sem intimidação

Sou aluno da Unicarioca ( campus Rio Comprido). É desse lugar que quero me manifestar sobre as ofensas racistas recém publicadas na internet, sob anonimato, direcionadas à instituição e a um grupo específico de seus alunos, grupo no qual me incluo. O anonimato, aliás, é prática comum entre os covardes – esses, sim, justo motivo para nojo. Preciso, portanto, me apresentar.                 Meu nome é Luciano Carvalho do Nascimento. Eu sou negro, de origem pobre. Sou doutor em Literaturas (UFSC), mestre em Língua Portuguesa (UFRJ) e especialista em Leitura e Produção de Textos (UFF). Há onze anos sou professor da rede pública federal de Ensino Básico, com passagem em pelo menos duas instituições de ensino das mais respeitadas no país. Além de produção acadêmico-científica condizente com minha titulação e atuação, tenho ainda boa experiência em coordenação de projetos sociais ligados à educação de populações em situação de vulnerabilidade social.                 Pois é: sou negro, te