É
claro que é possível e (com alguma sorte) muito bom manter relações sexuais,
transar em quaisquer outros dias e horários. Não nego, em absoluto, as delícias
que noites quentes e convulsas de sextas ou sábados podem reservar, nem o êxtase
instantâneo que um corre-corre em horário comercial é capaz de promover -
sobretudo se no intervalo do almoço de uma segunda-feira armagedônica, por
exemplo. Não nego o potencial desses prazeres, repito. Mas afirmo: momentos
assim não se comparam ao "fazer amor". "Fazer amor" só é
literalmente possível na moldura de uma manhã chuvosa e temperada de domingo,
quando dia e noite se aconchegam em finos lençóis de névoa úmida e fria, e até
a luz do sol reluta em se apartar das ventosas felpudas da penumbra, tímida.
Nessas
manhãs perfeitas para o amor ser feito, frio e chuva não são intensos. A chuva
é só suficiente para, com seu gotejar contínuo, mas discreto, abafar toda
confusão de sons mundo afora. Nada de idílicos cantares de passarinhos ou crepitar
de lareiras hollywoodianas; basta a companhia líquida e certa de um chuvisco insistente,
como um temporal borrifado a conta-gotas. O frio, por sua vez, não chega a constranger a nudez total (sim,
porque só se "faz amor", de verdade, completamente nu). A temperatura
tem que estar a ponto de, estando-se nu, se sentir frio, e então buscar, sob um
fino lençol, o calor do ser amado, e suar no seu abraço, e derreter-se entre
suas coxas... pra depois voltar a se arrepiar (de frio?) e recomeçar tudo de
novo...
Essas
são, enfim, as condições essenciais para efetivamente "fazer amor". Qualquer
coisa diferente disso é, no máximo, sexo - a despeito de, mesmo na ausência de
tais condições, ele poder vir a ser muito bom, às vezes até ótimo, inclusive ("fenomenal",
jamais! "fenomenal" só o amor feito nas manhãs chuvosas e mais ou
menos frias de domingo é)!
Pode
parecer romantismo, mas não se trata disso. Na realidade, é uma visão até antirromântica,
porque, por um lado, despreza tanto a alegada autossuficiência do sentimento abstrato
quanto a falaciosa solidez produtiva de laços afetivos prévios ou aspirantes a
perenes; e, por outro lado, toma como pressuposto único o fato incontestável de
que o "amor" depende, sim, de agentes externos a ele mesmo para
"ser feito", mas é, paradoxal e intrinsecamente, uma construção fortuita,
contínua e circunstancial.
Logo,
não falo, obviamente, do "amor" etéreo, diáfano, incorpóreo e, sob
todos os aspectos, platônico (porque irrealizável), aquele amor com que a
maioria das pessoas parece sonhar e cuja inexistência factual "mata mais
que peixeira de baiano". Falo, sim, do amor humano, carnal, latejante,
molhado, viscoso, vivo e, portanto, real e transcendente. Esse, sem dúvida
muito melhor que o outro, tem que ser feito, construído, graças! E demanda talento
para fazê-lo; é coisa de tato e toque, de trama e tempo.
É
coisa de tato e toque porque, pra fazer esse amor, tem que se ter, em igual
medida, delicadeza e rudeza: a delicadeza de contornar, e a rudeza de conter; a
rudeza de submeter, e a delicadeza de se entregar... a delicada rudeza de, num
momento mágico, se deixar engolir.
Fazer
amor assim é coisa de trama e tempo porque é elaboração conjunta que envolve mútuos
desejos e quereres. Envolve desejar bem, desejar ter e ser para outro (com quem
se está fazendo o amor) todo o amor que se pode ter. Envolve querer muito,
querer tudo, tudo, cada milímetro; mas sem pressa, querendo querer, querendo se
unir, se misturar, se confundir... querendo entrar por um lado e não sair por
outro, mas ficar ali dentro, conhecendo-o do avesso, de ponta a cabeça, de dentro
pra fora, de fora pra dentro...
Fazer
amor assim (com tato e toque, com trama e tempo) não combina com malabarismos,
com pseudo-atletismos, nem com demonstrações de força ou poder. Combina, sim,
com beijo de língua, com abraço colado, com aperto. É que, como já falei, esse
amor (que se constrói, mas nunca se acaba) só se faz na moldura de uma manhã
chuvosa e mais ou menos fria de domingo, quando dia e noite teimam em se
confundir, luz e sombra se misturam, calor e frio se atiçam e se motivam. Num tempo-espaço desses, o amor se produz
por osmose. Melhor: por fusão, não por fissão atômica: começa nos corpos, culmina
no cosmos.
Afinal,
se é verdade o que dizem, foi numa manhã fria, chuvosa e cinzenta de domingo, como
a de hoje, que Deus se inspirou e começou a fazer o mundo.
P.s.: o mais perfeito do amor
feito numa manhã chuvosa e mais ou menos fria de domingo é que não se pode
planejá-lo... ele simplesmente acontece. "Ou não" (Apud VELOSO,
Caetano).
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