Pular para o conteúdo principal

CARNAVAL, ou POEMA DAS SETE CARAS




Calma. É a quinta escola a desfilar, dá tempo. Lado ímpar, perto do “Balança-mas-não-cai”. Engraçado o nome do edifício. Sugestivo. Fica na Av. Presidente Vargas. Pega o metrô na Tijuca, desce na Central do Brasil... Cuidado com a carteira, Antônio! Não vai se distrair, hein! Olha a responsabilidade. Segue a multidão. Multidão??? Multidão. Será que vale a pena? Pela TV sempre foi tão bom, tão tranquilo. A almofada de travesseiro já nem deixa mais sentir aquela mola solta do sofá gasto no lugar cativo. Gasto, mas que ainda dá um caldo. Essa sua mania de TV... Foi ela, a maldita mídia que colocou na sua cabeça essa ideia maluca de desfilar em escola de samba. Isso é coisa de maluco. Melhor voltar pra casa, vai. Lá vem o metrô. Será que está cheio? Já está cheio. Antônio, o celular tem que ficar no bolso da frente! Todo mundo sabe que o celular deve ficar na bolsa ou no bolso da frente, Antônio! Sai da porta! A fantasia de malandro veio a calhar, a calça tem bolsos.  Segura aí! Está cheio mesmo. Já não cabe mais ninguém e ainda tem gente entrando, e com saco de fantasia. Esse monte de penas vai acabar atacando sua rinite. Falta pouco, duas estações. Atchim! O antialérgico ficou em casa. Trouxe o cartão do plano de saúde? Na carteira. Ela ainda está no bolso. Não custa se precaver. Quando a gente menos espera é que as coisas acontecem. Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. AAAtchim!! É a próxima estação. O celular vibra no bolso. Vaaai tocou. Pour Elise. Essa não! Rápido, o identificador de chamadas!!! Já era. “MAMAI”... “MAMAI”... “MAMAI”. “Aêêêêêêê!!!!!!!!!! MÃMÃ-MÃMÃ-MÃMÃE EU QUERO!!!... ...” … ... Central.


Certo. Concentração. “Balança-mas-não-cai”. É logo ali. Quanta gente na rua! Onde está o celular? Aqui. Carteira? Certo. Tem que prestar atenção, não é só alegria não. Tem gente mal intencionada em todo lugar. Cuidado. Não se pode perder o tino por uma distração. Dizem que esse negócio de caipifruta é gostoso. Parece que quase não tem álcool. Uma só não vai fazer mal, né? Quanto é, cidadão? Cinco? Credo! Toma lá. Doce... Geladinha... Quase suco. Será que aquilo era sidra mesmo? Põe um pouquinho mais de sidra aqui, por gentileza! Tá bom, obrigado. Água não era. É muita gente. “Ingressooo, ingressooo!”. “Ôô espetoo!”. Será que na saída vai estar todo esse movimento? E a condução? Até que horas vai funcionar o metrô? Táxi no final do desfile deve custar uma fortuna. Tava boa essa caipifruta, pena que acabou. Eles colocam mais gelo que qualquer coisa no copo. Cinco reais por gelo com um pouquinho de fruta, um fiapo de leite condensado e um copinho de sidra. Absurdo. Que carro lindo! Acho que é da Mangueira, a Mangueira é que faz carros bonitos assim... Olha esse! Nossa... que trabalho!! É coisa de artista, mesmo... Cheirinho bom de churrasco. Tem gente que mata gato pra fazer churrasquinho e vender nesses eventos. Coitados dos bichinhos. Mas aquela senhora ali tem cara de que gosta de gato. Quanto é o espetinho, senhora? Cinco? Trocado só tenho quatro. Dois por oito? Tá bom. Como assim a senhora não tem troco? Tá, pode ser uma latinha pra fechar doze. Capricha na farofa.


“Cervejinha, chefe?” Claro. Aquele churrasquinho tava meio salgado. Tava gostoso, mas meio salgado. Vai ver que era a farofa. Também, com esse calor, só uma cervejinha mesmo, Toninho. Tu tá suando, tem que se hidratar. Tá quase na hora. Mas ainda não pode entrar na concentração. Só depois que a outra escola sair. Aí vem a sua Mangueira. Vão posicionar os carros, depois as alas... Aí vai ser aquele tapete verde-e-rosa. E o surdo-um. Ah!, o surdo da Mangueira... Uma batida, sem resposta. Ecoa no peito. Parece que tá lá dentro. A respiração acelera no ritmo. Será que o Jamelão vem de novo esse ano? Vozeiraço...  Ih!, aquela moça da novela... Bonita ela. É, Toninho, tu não tá morto não, né? Nem cego. Foi só dar uma saidinha do casa-trabalho-casa-trabalho-casa pra se engraçar. Olha aí o Balança! Ainda falta uma hora pra abrirem o portão da concentração. E tá quente. O pessoal em casa deve de tá estranhando. Até agora tu num voltou? Bah! Mais uma, então! Só por isso. Surpresa!! Toninho com latinha na mão! Haha! Aí, garota bonita da novela, saca só: “Toninho e você: tudo a ver!” Tá meio quente essa aqui. Tem que beber logo. Também, esse calor!


Caipirinha??? Caipivodka!!!!! Castigaê, companheiro! Dá duas logo. Lá dentro não pode vender bebida. Pouco gelo, hein! De onde vem essa batucada? Que carro alto! Tira a camisa, Tunico! Calor do cacete! Segura meu copo aí, parceiro! Só um minutinho. É, é caipivodka, sim. Pode, claro!! Tá fraca?? Se tu arranjar, pode, lógico. Hahahaha!!! É da purinha? Rrrrrrrrr! U-huu!! Tamo na mesma ala, né? Maneiro!! Cadê?? Onde, onde, onde?? Hhumm! Gosssttttoosa, né não? Chegaê, mano! Tamo junto!! Vamo concentrá! Olha o Balança aí, gente! Hahahahahahahaahah!!!!!!


Cachaça, cara! Ca-cha-ça!!! Completaí, cumpádi! Garrafinha macetosa... Vô comprá uma pra mim. Dá pra dichavá legal dentro da rôpa. Mas pu-ta-quiu-pariu! Funk nomeio do carnaval? Desliga esse som aí, cacete!!! Quê???? Pão com patê? Me amarro, mandaê! Fígado de galinha? ... Hahahahahah!! Atum!!!! É ruim, hein! Fígado!!! A bateria já tá esquentando... Ó o surdo, ó... Tá aqui, muleque! Tá aqui no peito! Espera aí, conheço esse cheiro! Cadê o baseado, parceiro? Dêxa eu dar dois aí! “Balançaí,  mas num cai não, hein, muleque!”


Calmaê, calmaê! ... Cavaco?? ... Cavaco. Cavaco! Cava... “MANGUEIRA TEU CENÁRIO É UMA BELEZA/ QUE A NATUREZA CRIÔÔÔ!” U-huuuuuuuuuu!!!!!  “O MORRO COM SEUS BARRACÕES DE ZINCO...” Hhahahahahahahahahaha!!!!!!!!! É o Jamelão, maluco! É a minha Manguêra, mané!! Chegôô!! Chegôôôô, a Manguêra chegôôô!!!  Aêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêê!!!!!!!!!!!!! Quê?!?!?! Eu???? Eu sou o Tom, mané! O Tom da Manguêra!!! Chegôô! Chegôôôô, a Manguêra chegôôô!!! U-huuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!!!! “Olha o alinhamento, Tom!!” É o caraaaaaaalho!!! Chegôôôô, a Manguêra chegôôô!!! Ficar na linha é o caralho!!! É carnaval, caralho!! Na linha é o caralho!!!! Foda-se a linha!!! Chegôô! Chegôôôô, a Manguêra chegôôô!!! U-hhuuuuuuuuuu!!!!!!!!!!!!!!! Bompracaraaalhooo!!!! Bompracara..ah...aaah!!


“Bonito... CTI... Cerveja, caipirinha, cachaça, cigarro... Cigarro, Antônio. Até cigarro! Que cabeça, a sua! Onde é que você tava cua cabeça, homem de Deus! Depois de velho querê pular carnaval! Você nunca foi dessas coisas. Eu sabia que isso não ia acabá bem. Mas num adianta, né? A gente fala, aí 'é chata', 'qué mandá', 'é igual à sua mãe', 'é isso', 'é aquilo'... Mas é isso aí, ó: você não tem cabeça. Você não tem personalidade, Antônio! Se deixa infruenciá pelos outro. Mariavaicuasoutra. E agora? Amanhã é quarta-feira de cinzas, cabou carnaval. Cabô. Comé que cê vai trabalhar amanhã? Já pensou nisso? Já pensou se seu patrão te manda imbora? Já pensou? Imagina só que desespero. Seu salário é uma mixaria, mal dá pra gente comê, mas é o que se tem, né? Se você for demitido eu vou pacasadamiamãe cuas criança. Quê? Que que você qué, homem? Peraí. Não pode tirar a máscara não! Você pricisa do oxigênio, Antônio! Fica cua máscara! Fica!... Quê?... Quê???” Me chama de Toninho, por favor.

Comentários

  1. Tem gente com saudades do RJ... :)
    (MUITO massa teu texto. Mas isso é óbvio, é seu.)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Camila, quem dera que qualquer texto fosse bom só por ser meu... Mas, mais uma vez, obrigado pela gentileza!!! Bjs!

      Excluir
  2. Lembro me desse texto! haha
    adoro ele! Saudades Luciano, continuo usando teus métodos de redação (inclusive cheguei a discutir com meu professor por causa das frases curtas... hahaha) beijos

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Preta, Clarinha

(Um dos contos de "Bandeira branca, sinal vermelho")                 Clarinha não percebeu quando a amiga voltou de mais uma investida mal sucedida a um motorista sozinho num carro parado naquele cruzamento da Avenida Atlântica. Apesar de cotidiana, a frustração não doía menos com o passar do tempo (“ será que hoje alguém vai me amar? ”). Era nesses momentos que Mellanie, nascida João Roberto, demonstrava sua fragilidade: gargalhando alheia à bigorna que lhe crescia no peito, xingando o motorista a plenos pulmões, ou, o mais frequente no fim das madrugadas, baixando a cabeça, sentando no meio-fio e chorando em silêncio.                Clarinha nem viu a amiga se enroscar a seus pés, humilhada como um cão. Estava atônita com outro quadro. A poucos metros, amontoadas na calçada, três pessoas dormiam: um homem, uma mulher e uma criança pequena. Aparentemente uma família. Certamente uma família, porque o quadro era bem mais do que apenas familiar. A moça via ali, deitados n

Falando em Educação....

Seguindo a lógica do "nada é tão ruim que não possa ser piorado", quando o Estado acerta, vêm os pais e... putz! Em São Paulo há pais querendo censurar - isto mesmo: C-E-N-S-U-R-A-R! - um livro indicado pela Secretaria de Educação do estado. Trata-se de uma recente e relativamente famosa antologia de contos brasileiros. Os zelosos guardiães "da moral e dos bons costumes" sublevaram-se contra UM dos textos do livro, uma narrativa de Ignácio de Loyola Brandão. Cliquem no link e vejam o que a ignorância é capaz de fazer! http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2010/08/pais-que-pedem-recolhimento-de-livro-sao-burros-diz-escritor.html

Brainstorming

Na noite escura o vento bate tuas portas e janelas abertas. Embarcação à deriva, vagas pelas trevas desperta pelos raios e trovões que vibram e te mantêm alerta. E teus olhos - vivos e singulares - investigam o interior de tua morada, o teu próprio, no afã de enxergar a luz que por fim só lá existe. "Fiat lux!" Finda a noite. Chega o dia, claro, nítido, Vivo. Livre estás. Em paz. A luz foi feita, e existirá (pelo menos) até a próxima tempestade.