Eu,
Luciano Nascimento, sou heterossexual. E, embora eu não seja rico, seria
cinismo de minha parte dizer que sou pobre. Portanto, da discriminação de
gênero e da econômica estou mais ou menos livre. Mais ou menos porque, claro, eu
ainda sou um fodido perto da maior parte da galerinha que frequenta Jóquei
Clube em dia de Grande Prêmio Brasil de Turfe, por exemplo. Por outro lado, sou
preto, baixo, tô ostentando uma barriguinha (que vive querendo deixar de ser
diminutiva), uso óculos, não curto esporte nenhum, bebo um pouco e
eventualmente fumo charuto. Ah!, importante: ou sulamericano. Por que esse
inventário meio aleatório? Porque, exatamente como todo mundo, eu ser ou não
ser vítima de preconceito e discriminação é algo que não depende de mim, mas,
sim, de quem me olha. É quem me olha que me aponta “defeitos”; defeitos que
estão na visão dele ou dela, claro! Repito: não há nada de errado (nem de necessariamente
certo) em mim; o problema está no valor que atribuem ao que sou.
É
assim que o preconceito e a discriminação funcionam: numa dada dinâmica de
forças, os atributos (naturais ou adquiridos) do mais forte passam a valer como
parâmetro geral. É a tal “ideologia” funcionando. Aí já viu: os bons e certos
são os “iguais” ao parâmetro, ao passo que, quanto mais “diferente”, quanto
mais distante do modelo imposto, mais alegadamente mau e errado se é. Essa dinâmica
de forças é tão eficaz que mesmo entre os oprimidos há quem divulgue e defenda
a ideologia – a coleção de parâmetros – do opressor. Aliás, dizem que foi a
Simone de Beauvoir que disse: “o dominador não seria tão forte se não contasse
com a ajuda dos dominados”. Não sei se foi ela, não chequei, mas concordo com a
afirmação, sem ressalvas.
Por
isso, pra mim é muito absurdo ver alguns comentários hoje na minha TL. Tem um
monte de mulher, de preto, de pobre e de evangélico se manifestando contra as
fotinhas coloridas que estão inundando o FB. Cara, é surreal!!
A Mulher (toda
e qualquer uma! tô generalizando mesmo, falando do gênero!!) apanha do homem, é
tratada como mercadoria, é desrespeitada todo dia, toda hora, empurram na
cabeça dela desde o berço que ela é um ser iluminado porque tem “o dom da
maternidade” (entenda-se: “filhota, fica com ‘o Juninho’ pra eu ir beber com os
amigos do futebol, tá?”), enfim, sacaneiam a mulher 24 horas por dia, e, ainda
assim, vem uma criatura (uma mulher), querer dizer que colorir a foto é “modinha”,
“é frescura”, ou “tem criança passando fome, e isso é mais importante do que o
direito de gay se casar”. Criatura, por favor: entra na briga pelas crianças
famintas, pelos gays, pelos negros, pelos palestinos, e por você também, Mmulher!
Sabe por quê? Porque estamos todos na mesma canoa furada. Há séculos constantemente
furada por meia dúzia de homens brancos misóginos homofóbicos protestantes europeus
(digite “WASP” no google e comprove), só para nos manterem preocupados em tapar
o buraco enquanto eles se divertem.
Outros que
merecem meu “recadinho do coração”: uns dois ou três negros amigos meus que me
vieram com babaquices tipo “Adão e Eva, não Adão e Ivo”. Como disse um
ex-aluno: deixa de ser fiscal de cu alheio, porra!! Há cinquenta anos, negão,
você daria graças a Deus por uma campanha semelhante em seu favor, porque até
os anos 60, nos EUA, os negros sequer podiam passar pelas mesmas portas
(literalmente falando) que os brancos, não podiam usar os mesmos bebedouros,
nem sentar nos mesmos bancos no transporte público. Há apenas 50 anos, negão,
quem era legal e oficialmente tratado como diferente e sem direitos era você,
criança! Então, se liga: o direito que hoje se reconhece e comemora não é em
nada diferente daquele que, até o outro dia, você também não tinha (e, na
prática, ainda não tem, como ainda vai continuar acontecendo com os gays por um
tempo): o direito de ser, de existir e ser tão respeitado quanto qualquer outra
pessoa. Então, repito: entra na briga pelas crianças famintas, pelos gays, pelas
mulheres, pelos palestinos, e por você também, negão! Sabe por quê? Porque
estamos todos no mesmo barco!
O mesmo que
falei para mulheres e negros vale para os pobres que passeiam por aqui. Não vou
repetir.
Mas é um
pouquinho diferente no caso dos religiosos fundamentalistas. É: também tem
gente assim na minha TL. Pra vocês tenho uma informação privilegiada e uma
revelação bombástica. A informação privilegiada é a seguinte: tá nos evangelhos
que J. Cristo teria dito que o maior mandamento da Lei de Deus é: “Ama ao
próximo como a ti mesmo”. Então, car@ amig@ fundamentalista: se você acha que
tá melhor com “O Filho do Homem” só porque você vai à igreja duas ou três vezes
por semana e decorou meia dúzia de citações da bíblia, #fikdik: sua casa vai
cair. J. Cristo quer mesmo é que você acolha igualmente bem a todos. A todos.
Mas falta ainda a revelação bombástica: não existe comprovação científica da
existência de Deus. Logo, ainda que possivelmente tenha existido um tal
nazareno chamado Jesus, filho de Maria e blá-blá-blá-blá..., até hoje não se provou
que esse camarada tenha sido mais filho de Deus que eu ou você. Sabe por quê?
Porque não se provou que Deus exista! Alôôôu!! A única coisa que, sem dúvida, faz
J. Cristo melhor que nós é a mensagem dele. Aliás, a mensagem que creditam a
ele, né? Porque ele também não escreveu nada.
Diante de
fatos tão incontornáveis, sobra o seguinte “““argumento””” (que certamente
você, fundamentalista que chegou até aqui, se é que você existe, já usou): “Não
preciso de comprovação científica para acreditar em Deus. Deus é uma evidência
e A Verdade está na bíblia [todinha psicografada, né, criatura? Rsrsrsrrsrsrs]”.
Pois bem. Se você pensa assim, quero surpreendê-lo. Eu concordo com você. Quer
dizer, tipo assim: eu também acredito em Deus, em Jesus e em sua mensagem
etc..., mas acredito também em Zambi, em Oxalá, em Xangô – Kaô Kabeciele, meu
pai –, em Iansã – Eparrêi, minha mãe! – etc..., e em Allan Kardec, em Buda e no
Dalai Lama. E tem mais: acho que quem busca a “necessária comprovação
científica” de tudo (como eu faço, às vezes) também tem seu próprio “deus”: a
Ciência. É nela que esse outro tipo de crente fundamentalista crê, concorda? Bingo!!!
A-hááá!!!
Bem, eu
acredito em Deus mas não perco de vista que minha crença é só isso: uma crença
minha. Ela não é melhor nem mais acertada que nenhuma outra crença; ela é minha
e apenas minha, não precisa ser compartilhada nem acatada por ninguém. Até
porque eu estudei um pouquinho de História e sei que, durante séculos, os
cristãos foram massacrados pelos pagãos, apenas por serem cristãos... depois a
cristã Igreja Católica mesma queimou nas fogueiras da sua “Santa Inquisição”
milhares de outros também cristãos, mas protestantes... Ou seja, quem acredita
em J. Cristo já foi, em vários momentos, minoria – tanto absoluta (em termos
demográficos), quanto ideológica (no que diz respeito à representatividade nas
instâncias de poder). Então, se você é cristão/ religioso e está indignado com
a sua TL colorida, vou desenhar pra você: 1) J.C. falou que o maior mandamento
era “Amar ao próximo como a si mesmo”, isso é o contrário de julgar os outros e
de jogar pedras (reais ou metafóricas) nas pessoas; 2) se você se comporta como
estilingue, esquece que já foi vidraça, e por um bom tempo! e 3) não existe
cristianismo que concorde com o preconceito e a discriminação.
Mas se tudo
que falei ainda não te convenceu de que o preconceito e a discriminação são um
problema exclusivo de quem olha, se, mesmo depois de tudo isso que falei, você (mulher,
negão, fundamentalista etc...), meu/minha amig@ brasileir@, ainda acha que ser
gay é “feio”, é “errado”, ou que o gay “pode até ser, mas não precisa
escancarar”, vou te fazer uma proposta: compra uma passagem e vai pra Paris,
pra Londres ou Berlim... mora lá durante um tempo; pede emprego por lá; tenta
ser tratado como um igual (aos franceses, ingleses ou alemães). Você certamente
vai se surpreender. Ou não... se você lembra do Jean Charles...
“PRIMEIRO
MUNDO” é outro papo.
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